Educação a distância expõe abismo entre o ensino público e privado (2023)

Durante o período de distanciamento social, rotina de estudos é adaptada através do acesso à internet e outros dispositivos tecnológicos

Por: Thamires Lopes/A Serviço de DeFato Online

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1/08/2020 às 10h04

Reportagem veiculada na edição 73 do Jornal DeFato Cidades Mineradoras

A educação não é mais a mesma depois da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Da noite para o dia professores e alunos tiveram que se reinventar na forma de aprender e de ensinar. A pandemia expôs também, ainda mais, as diferenças do ensino público e privado. Enquanto no setor privado os estudantes dispõem de boa estrutura para acompanhar os estudos on-line, alunos de escolas públicas enfrentam muitas dificuldades.

“A pandemia escancarou muitas realidades que antes tratávamos de maneira mais mascarada. O abismo social no qual vivemos há muito tempo se tornou bem mais evidente com o coronavírus. Quando falamos de ensino público e privado, é muito clara a diferença de mundos”, comentou o monlevadense Breno Eustáquio, professor universitário e especialista em educação.

Embora o ensino a distância (EAD) seja realidade para os adultos, para crianças e adolescentes a modalidade ainda é pouco conhecida. O EAD tornou-se um dos principais recursos para garantir a continuidade das atividades escolares, ainda que de forma experimental.

O especialista em educação afirma que as diferenças sociais não podem deixar de ser desconsideradas. Ele cita que há famílias, por exemplo, que têm mais de um filho em idade escolar no mesmo turno, e na casa há apenas um computador ou só um telefone celular com internet, muitas vezes com baixa qualidade de conexão e velocidade. Há ainda alunos que vivem em comunidades rurais onde sequer o sinal de internet chega.

Em função da pandemia de Covid-19, o ensino presencial na rede estadual está suspenso desde 18 de março. A Secretaria de Educação de Minas Gerais passou então a disponibilizar os conteúdos por meio do aplicativo Conexão Escola. Já as aulas são transmitidas pela Rede Minas e TV Assembleia. Há, ainda, distribuição de apostilas com o chamado Plano de Estudo Tutorado (PET).

“Alguns pais já me relataram que gostaram da alternativa, mas outro problema apareceu: nem todos os pais conseguem acompanhar a maratona de atividades enviadas pelos professores, tanto digitalmente como nos materiais impressos, porque os pais não têm instrução suficiente e nem mesmo possuem preparo pedagógico para a educação escolar, que já é desafiante para nós, professores”, ponderou Breno Eustáquio.

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Diferenças sociais e econômicas

Renan Magalhães é professor e mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), leciona em uma escola particular de Itabira e na rede estadual em São Gonçalo do Rio Abaixo. Para ele, que conhece de perto as duas realidades, o momento é desafiador e de adaptação.

“Estamos nos adaptando ao novo modelo e as dificuldades ainda são grandes. O acesso e o manuseio das tecnologias de estudos remotos é uma das grandes dificuldades, mas a disciplina, ânimo e fatores psicológicos também têm sido uma grande questão para se prosseguir nos estudos. Essas dificuldades variam bastante da rede privada para a rede pública estadual, acentuando ainda mais as diferenças sociais e econômicas do estado”, declarou o Renan Magalhães.

Na rede pública, as videoaulas duram 20 minutos. Para o professor, as videoaulas são insuficientes, superficiais e não estão em acordo com os Planos de Estudos Tutorados. “Grande parte dos alunos não conseguem acompanhar as aulas, seja por falta de acesso à TV, internet e outras tecnologias. Além disso, avalio que o PET tem sido um material insuficiente para os estudos remotos na rede estadual”, ponderou o professor e mestre em História.

Por outro lado, ele cita que na rede privada as aulas seguem um modelo diferente. Possuem maior tempo de duração, os alunos têm acesso ao livro didático, o que na rede estadual a maioria não tem, além de possuírem recursos tecnológicos que facilitam o ensino remoto.

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Ampliando as possibilidades

Com a pandemia, os educadores se viram diante de novos desafios, aos quais estavam pouco ou nada preparados. O especialista em educação afirma que ser professor no século XXI é totalmente diferente do que era no século passado, “quando o educador era aquele que passava conhecimento para o aluno”.

“Hoje, há tanta informação e são tantas tecnologias, que já não somos mais donos do conhecimento. Ensinar, hoje, é muito mais mediação, porque todos os assuntos estão disponíveis na internet. O que eu preciso é clarear pontos obscuros e fazer com que o aluno pense, intérprete e critique melhor as informações sobre aquele assunto. Se eu insistir em ser o professor do século passado, minha aula será chata, pouco atrativa e não vai gerar aprendizado”, ressaltou Breno Eustáquio.

Segundo ele, com a pandemia, ficou perceptível que os professores que já utilizavam as Tecnologias de Informação e da Comunicação (TIC) em suas aulas não tiveram dificuldades de adaptação.

“As aulas remotas estão atrativas, porque eles sabem usar ferramentas de metodologias ativas, especialmente a gameficação, e os alunos adoram! Agora, os que insistiam em ser professor do “giz e cuspe” estão com muitas dificuldades e, se quiserem sobreviver, terão que reaprender. Uma coisa é certa: o professor nunca deixa de ser aluno. Temos que nos atualizar sempre”, destacou Breno Eustáquio.

Diferente para todo mundo

Além dos alunos e professores, as famílias também tiveram que se adaptar ao “novo normal”. A falta de convívio com a comunidade escolar, antes da pandemia, tem trazido consequências ao ensino remoto. No entanto, para o especialista em educação, Breno Eustáquio, a dificuldade que os pais têm em ajudar os filhos na educação neste momento é uma oportunidade de conhecimento e aproximação.

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Kayky tem 10 anos, está matriculado no 5º ano do Ensino Fundamental na Escola Estadual Dona Eleonora Nunes Pereira. O itabirano tem o diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) e tem tido dificuldades para se adaptar às aulas remotas.

“Todo dia é uma luta. Sem poder fazer natação e gastar energia na escola, ele está muito mais agitado. Além disso, ele tem dificuldade de se concentrar. Ele assiste a aula pela TV na parte da manhã, porque se o deixasse no computador ele iria fazer outra coisa. Além disso, tenho que ficar ao lado dele o tempo todo. Como mãe estou preocupada porque ele não está conseguindo acompanhar a professora”, contou a empresária e mãe de Kayky, Tamires Silva.

No período da tarde, o menino volta a se dedicar aos estudos remotos através do chat no aplicativo Conexão Escola e também no Whatsapp. A professora faz as correções do PET, tira as dúvidas dos alunos e passa novas atividades.

Além de Kayky, Tamires Silva é mãe da Alice, de 4 anos. Ela está no 1º período da educação infantil na rede municipal. Quatro meses após a suspensão das aulas presenciais, Alice não havia recebido nenhuma atividade.

Raycone Tiago Costa, de 12 anos, é estudante do 7° ano do Ensino Fundamental da Escola Estadual Major Lage. Ele assiste sozinho as videoaulas todas as manhãs pelo computador e conta que sente falta de estudar com o apoio dos livros e da presença do professor, a quem pode recorrer sempre que tem dúvidas sobre algum conteúdo.

Geni dos Anjos, mãe do Raycone, trabalha como balconista em uma panificadora e fica praticamente o dia inteiro fora de casa. Sem poder acompanhar de perto as atividades escolares do filho, ela relata os desafios encontrados. “Ele tem dificuldade para manter o desempenho. Acha ruim a forma que as aulas acontecem, não entende direito o conteúdo e, muitas vezes, não tenho como ajudar, pois chego tarde em casa”, contou.

Na rede particular

Bernardo Carvalho Guerra Martins da Costa, 15 anos, estuda o primeiro ano do Ensino Médio em uma escola particular em Itabira. Apesar de ter acesso a uma escola mais estruturada tanto de recursos materiais como humanos, a adaptação com as aulas online tem sido bastante complicada.

“Ter que mudar completamente a rotina de estudos de uma hora pra outra não é fácil, mas com o tempo é possível ir se acostumando. Eu acho que a maior dificuldade tem sido no domínio da tecnologia por parte de muitos professores e até mesmo alguns alunos. Além do fato de muitas pessoas não possuírem uma internet que possibilite o acesso a tais materiais”, destacou o estudante.

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A jornalista Denize Carvalho, mãe de Bernardo, conta que o filho encontrou algumas dificuldades no início, mas aos poucos foi se adaptando. Hoje a rotina de estudo e execução de tarefas ficou mais fácil.

“A escola tem oferecido todo o suporte para os alunos, enviando material didático de qualidade e as aulas on-line são interativas, só que depende muito de cada um. Com todo este processo acho que os alunos de escola particular são privilegiados, já que alunos de escola pública não têm o mesmo acesso ao material, até mesmo a aulas on-line. Esta diferença pode ser determinante para o sucesso do aluno. É uma pena que todos não tenham o mesmo acesso”, concluiu a jornalista.

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Author: Golda Nolan II

Last Updated: 24/10/2023

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